Pai não é professor particular
"Na volta às aulas, dê ao seu filho a chance de se apropriar de
seus estudos e de saber que ele dá conta sozinho".
A criançada está de volta à escola. Foi bom esse tempo sem rotina, sem
horário e sem obrigações escolares. Mas, será bom, também, o retorno a uma vida
organizada.
Faz bem para os mais novos saber, pelo menos um pouco, como será o dia
seguinte. Dá a eles sensação de segurança, estabilidade.
Nos primeiros dias na escola, é uma alegria para as crianças encontrar os colegas
que não viram por quase um mês, contar as novidades, voltar a brincar com os
amigos no recreio. Mas, logo depois recomeça, para muitos, uma jornada bem
árdua.
Não, não me refiro aqui aos deveres escolares e à tarefa de ter de aprender
algo que não sabem -situação que nós sabemos ser bem difícil. Muitas crianças
sofrem, de fato, com essas questões.
Custa a elas assumir as pequenas responsabilidades que lhes cabem e custa
mais ainda aceitar que não sabem e que precisam aprender para saber. E isso
requer esforço e concentração.
Nos tempos atuais, as crianças são iludidas pelas imagens e isso faz com que
elas pensem que já sabem a respeito de quase tudo. "Eu sei" é a frase
curta que repetem várias vezes ao dia, já reparou?
Mesmo com tais dificuldades, as crianças podem superar os seus desafios
escolares e colocar em atos o potencial que têm.
Quando falei em jornada árdua, eu me referia ao envolvimento dos pais, tão
requisitado atualmente, na vida escolar dos filhos.
A frase "Se os pais acompanham de perto a vida escolar dos filhos,
esses se saem melhor na escola" resume o principal argumento que leva
adultos a estudar com as crianças, a fazer as lições de casa junto com elas, a
providenciar trabalhos, a coletar informações na internet etc.
A afirmação acima é verdadeira, claro. Qualquer pessoa que tenha ajuda em
qualquer coisa se sai melhor. O problema é o equívoco que esse pensamento
contém.
Na escola, sair-se bem é aprender -e não simplesmente alcançar boas notas. E
aprender, caro leitor, é uma tarefa que a criança precisa realizar sem a ajuda
dos pais.
Com o estilo de vida que nós adotamos, cada vez mais uma enorme quantidade
de pais acredita que precisa acompanhar os estudos do filho e até realiza isso
de bom grado. Quer dizer, mais ou menos
No início, até que a coisa vai bem, mas logo a
paciência acaba e a relação entre os pais e o filho fica conturbada. É que
os pais cobram esforço, dedicação e lição correta. E não costuma ser isso o que
os filhos produzem.
Para muitos desses pais, a tarefa parental se resume a esse acompanhamento
da vida escolar e à gestão da vida do filho. A função dos pais é bem maior do
que isso: é acompanhar a vida do filho.
A função dos pais é dar ao filho a oportunidade de ele próprio se
responsabilizar por sua vida escolar. É estimular no filho a vontade de
formular perguntas que envolvem o conhecimento, de dirigi-las aos pais e de
ficar interessado nas respostas. É, também, dar ao filho a chance de ele saber
que é capaz de enfrentar sua própria batalha sozinho e dar conta dela.
Essas são coisas muito mais importantes para a criança do que ter a mãe ou o
pai sempre presente nos trabalhos, nas provas etc.
Neste retorno às aulas, dê chance para que seu filho se aproprie de seus
estudos. Isso não significa abandoná-lo. Ele precisa ser lembrado, incentivado,
encorajado a assumir suas responsabilidades escolares e a seguir sempre em
frente, mesmo com dificuldades e obstáculos.
Mas isso pode ser feito sem que os estudos se tornem mais importantes para
os pais do que para ele próprio.
Os pais precisam se lembrar de o que filho já tem professores na escola, que
é o local especializado no ensino. Em casa, a criança precisa é de pais, e não
de professores particulares ou tutores.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu
Filho?" (Publifolha)
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, Publicado dia 31 de Julho de 2012
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